Empresa entrou com recurso no Tribunal de Justiça e suspendeu a leitura do documento conclusivo; prefeito Luiz Dalben recebeu cópia do Relatório durante sessão na Câmara
A CEI (Comissão Especial de Inquérito) que investigou o contrato entre a Prefeitura de Sumaré e a empresa Odebrecht Ambiental indicou o rompimento do contrato com a empresa concessionária e a prisão da ex-prefeita Cristina Carrara (PSDB). O Relatório Final das investigações não foi lido nesta terça-feira (18) por conta de uma liminar do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) solicitada pela concessionária e protocolada com a sessão já em andamento.
Cristina foi delatada pelo ex-executivo da Odebrecht Ambiental, Guilherme Pamplona Paschoal, onde foi acusada de receber R$ 600 mil em propina durante o processo eleitoral de 2012, no qual saiu vencedora. De acordo com Paschoal, o dinheiro ilícito foi entregue a João Alberghini, então assessor de campanha da tucana. O ex-executivo disse ainda que pagou R$ 200 mil em propina a pedido de Alberghini em 2014 para financiar campanhas eleitorais apoiadas pelo PSDB municipal naquele ano. O repasse teria acontecido entre março e abril, época em que o processo licitatório estava em andamento.
De acordo com o presidente da Comissão, vereador Willian Souza (PT), o contrato de concessão é fruto de um amplo esquema de corrupção para favorecer a empresa em contratos públicos. “As investigações apontam que Cristina cumpriu um roteiro perfeito para conceder os serviços de saneamento básico à iniciativa privada, justamente após ter recebido valores não declarados da empresa vencedora da licitação. A engenharia da corrupção foi orquestrada para destruir o DAE, cumprir o acordo para viabilizar a concessão e, posteriormente, proteger a empresa na vigência do contrato”, explicou o vereador.
Souza criticou ainda o Termo de Anuência concedido pela tucana transferindo a concessão da Odebrecht Ambiental para a empresa Brookfield sem observar os requisitos necessários determinados pela Lei das Concessões. “Cristina afirmou para esta Comissão que conheceu a Brookfield pela imprensa e o seu procurador-geral, responsável pelo parecer jurídico favorável à anuência, declarou que conheceu a empresa através de buscas na internet, motivado por curiosidade pessoal. É um escândalo e um desrespeito com a população de Sumaré a transferência de uma concessão dessa importância sem qualquer conhecimento”, desabafou o parlamentar.
CRIMES
Por conta das denúncias, a Comissão solicitou ao Ministério Público a inclusão do Relatório Final no PIC (Procedimento Investigatório Criminal) que já investiga o caso, além de apurar as responsabilidades de Cristina e Alberghini na prática de crime de fraude ao processo licitatório com base na Lei de Licitações (8.666/1993), que prevê pena de até quatro anos de prisão. A mesma punição foi indicada para Paschoal e o ex-diretor da empresa, Marcio Tanajura.
A Comissão indicou também abertura de inquérito civil público para investigar as condutas de Cristina e Alberghini na prática de improbidade administrativa, com base na Lei Federal 8.429/1992, que prevê pena de até dez meses de prisão, suspensão dos direitos políticos, multa e até abertura de inquérito policial.
PREVARICAÇÃO
Durante o processo investigatório, a Comissão ouviu a ex-coordenadora do Procon, Andréa Uchôa de Oliveira, que afirmou ter recebido ordens do ex-secretário de Controle Interno e Transparência, João Moreira Nunes da Silva, para abafar as reclamações contra a empresa no órgão de defesa do consumidor. As poucas ocorrências registradas no órgão também não receberam providências do então gestor do contrato nomeado por Cristina, Valmir Ferreira da Silva.
Por conta das acusações, a Comissão também solicitou ao MP que instaure inquérito civil público para apurar as responsabilidades de Moreira e Ferreira na prática de prevaricação com base no Decreto-Lei 2.848/1940, que prevê pena de até um ano de prisão e multa. O crime previsto no Código Penal é cometido por servidores públicos que deixam de cumprir funções de ofício.
Cópias do relatório também serão enviadas à Polícia Federal e ao NCC (Núcleo de Combate à Corrupção) do Ministério Público Federal para colaborar com as investigações no âmbito da Operação Lava Jato e com eventual inquérito policial.
INEXECUÇÃO
Além dos possíveis crimes encontrados ao longo do processo de investigação, a Comissão indicou também o rompimento do contrato entre a Prefeitura de Sumaré e a Odebrecht Ambiental com base no descumprimento de cláusulas contratuais, como a inadimplência de R$ 22,3 milhões dos pagamentos da outorga onerosa ao Município, além dos valores da tarifa e taxa de religação abusivas.
Segundo o presidente da CEI, a má qualidade da água também foi comprovada durante as investigações. “Realizamos seis audiências públicas para aferir a satisfação dos moradores com os serviços prestados pela Odebrecht e registramos muitas reclamações contra a qualidade da água. Posteriormente, o clamor da população foi confirmado em um laudo técnico juntado aos autos”, explicou Willian.
Segundo relatório de monitoramento da qualidade da água emitido no dia 14 de dezembro de 2016 pela ARES-PCJ, foi apontado que uma amostra colhida no Parque Jatobá, região de Nova Veneza, não atendia aos padrões de potabilidade por apresentar níveis de fluoreto acima do permitido pelo Ministério da Saúde.
Para a contraprova, a agência realizou nova coleta uma semana depois, no mesmo local, e constatou no relatório que, dessa vez, eram os níveis de cloro residual livre e alumínio que não atendiam aos padrões exigidos pela legislação vigente, tornando a água imprópria para o consumo humano.
No laudo técnico, a agência ressalta que a concessionária não retificou os limites de quantificação dos elementos presentes na água, conforme verificado em recoleta para produção de contraprova.
A Odebrecht Ambiental também descumpre dois artigos da Resolução 50/2014 da ARES-PCJ ao não comunicar os usuários com antecedência de 72 horas as interrupções do fornecimento de água para manutenção e ao realizar troca de hidrômetros sem a autorização dos moradores.
“Também ficou constatado que a empresa pouco investiu nos imóveis públicos de sua responsabilidade, que devem ser conservados e revertidos para a municipalidade após o término do contrato. Realizamos digilências nestes imóveis e atestamos o descaso da Odebrecht com os bens públicos”, comentou o membro da Comissão, vereador Marcio Brianes (PCdoB).
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Minutos antes do início da sessão extraordinária, a Comissão tomou conhecimento de uma liminar expedida pelo Tribunal de Justiça que determinou a suspensão da leitura do Relatório Final, com base num agravo solicitado pela Odebrecht Ambiental. “Agindo de má fé, a concessionária alega que não teve acesso aos autos do processo, o que não é verdade. Infelizmente, a decisão não levou em consideração a transparência dada pela Comissão aos trabalhos e, principalmente, aos envolvidos nas investigações”, comentou o presidente Willian Souza.
A CEI respeitou a decisão provisória da Justiça e solicitou a suspensão da leitura do Relatório Final, que possui 161 páginas e seria integralmente lido na ocasião. Após duas horas de interrupção, a sessão extraordinária foi reaberta e os vereadores debateram o conteúdo do documento conclusivo.
O prefeito Luiz Dalben (PPS) e o procurador-geral do Município, Arlei Mapelli, estiveram na sessão e receberam cópias do Relatório Final, que também sugere abertura de processo administrativo e intervenção na concessão pelo prazo de 120 dias para apurar as denúncias de irregularidades apontadas pela Comissão. Dalben estava acompanhado do vice-prefeito, Henrique Stein Sciascio (SDD), do secretário de Governo, Welington da Farmácia, e do ex-prefeito Dirceu Dalben.
“Entendemos que a Comissão cumpriu com o seu papel respeitando integralmente as competências próprias do Legislativo sumareense. Agora, não está mais em nossas mãos, e torcemos para que Prefeitura e Ministério Público dêem sequência a partir das recomendações apontadas pela Comissão no Relatório Final”, concluiu Willian.
Publicado em: 20 de julho de 2017